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Entre memórias e redescobertas: o destino do torno mecânico "Vaca Velha"

SÉRIE: MEMÓRIAS DA ESTRADA DE FERRO PAULO AFONSO
Atualizado em 01/12/2023 às 09h54

Conversas com o amigo Rubério.

Era um final de semana de 2021 e numa visita para fotografar as obras de arte de Mestre Rubério no seu ateliê, localizado em frente a antiga estação de trem da Estrada de Ferro Paulo Afonso no Centro Histórico de Piranhas/AL, Rubério rememorou sobre seu saudoso pai, Pedro Fontes de Oliveira, mais conhecido como “Pedro de Joca”, torneiro mecânico e serralheiro na oficina da EFPA(1). A antiga oficina, hoje, é o Centro de Artesanato Arte e Cultura que é quase vizinho a seu ateliê onde produz e comercializa suas obras em madeira: são Carrancas e embarcações típicas do Baixo São Francisco, como a Canoa Chata, Canoa de Tolda e Catamarãs. Também, os navios a vapor Tupã, Tupy, Tupigy e o lendário Comendador Peixoto e não podia faltar a “maria fumaça”. Mestre Rubério, nascido Rubério de Oliveira Fontes é um piranhense octogenário, artesão da arte em madeira, talvez o único no Baixo São Francisco, que expressa na arte, sua memória afetiva sobre o patrimônio naval e ferroviário. Foi empossado membro efetivo da Academia Piranhense de Letras e Artes (APLA) em 2022. Rubério foi tema de outro texto nosso, acesse AQUI.

Imagem 1 - Placa na fachada do atelie.
Imagem 2 - O mestre e suas obras.

Na nossa conversa sobre a ferrovia, Mestre Rubério recordava que seu pai trabalhava na oficina em Piranhas, operando um torno mecânico apelidado de “Vaca Velha”, ele não recordou o motivo do apelido, mas talvez fosse pelo barulho que emitia ou por ser antigo e grande, era o maior, entre outros três existentes na oficina e que servia para torneamento de aros, rodas e eixos dos trens e vagões.

Não encontrei arquivo fotográfico que revelasse como era o interior da oficina de Piranhas à época de seu funcionamento, mas peço aqui licença para transcrever um raro e interessante relato de um nonagenário, no seu livro de memórias, trata-se de um ex-ferroviário aposentado e que foi aprendiz de Pedro de Joca na oficina da EFPA em Piranhas/AL, Ruy Costa descreve equipamentos e vivência no ambiente de trabalho:

Pela primeira vez eu conheci uma Oficina mecânica, nunca tinha entrado numa. Meu tio que exercia o cargo de Mestre da Oficina, foi me mostrar e me apresentar aos meus colegas; fiquei impressionado com a plaina, com o torno mecânico e com o serviço de ferreiro na forja, cheia de brasas e calor insuportável.

Meu tio, amigavelmente me mostrava e ligeiramente me explicava como funcionava cada máquina e cada aparelho.

A Oficina Mecânica da Estrada de Ferro Paulo Afonso, ficava na Esplanada da Rede Ferroviária, onde estão localizadas a Estação, Escritórios, almoxarifado e Armazéns para cargas e descargas de mercadorias em trânsito.

No meu primeiro dia de aprendizagem, fui ler e desenhar peças mecânicas, conhecer a escala decimal e polegadas e conhecer os instrumentos que iria manuseá-los durante o meu trabalho diário, estudando mais matemática, transferindo polegada para milímetros.

Tudo era novidade para mim; fazia tudo para sujar as minhas mãos e minha roupa para demonstrar que realmente eu já estava trabalhando na oficina. Foram meses aprendendo matemática e desenhando peças mecânicas de locomotivas, e de carros e vagões.

Eu gostava de desenhar; e antes de ocupar o Torno Mecânico passei vários meses desenhando para os artífices nas bancadas.

Assim que iniciei a minha aprendizagem, busquei fazer amizade com os meus colegas de trabalho. Encontrei em todos eles distinção e boa vontade para me ajudar.

Eram jovens e senhores já com idade avançada que conheciam naquele momento; todos eles foram simpáticos e se ofereceram para me ajudar no que fosse possível.

Depois de alguns meses, trabalhando na bancada aprendendo desenho mecânico, o Mestre da Oficina me comunicou que a partir daquele momento, iria praticar num torno mecânico com a supervisão do torneiro Pedro Fontes de Oliveira (Pedro Joca).

Pedro Fontes de Oliveira, profissional competente e amigo. Não era tão tolerante, porém, tinha um coração enorme; além de gostar de ajudar, gostava também de servir. Tocava um cavaquinho como muitos poucos naquela época. Depois de anos tornou-se padrinho dum filho meu. Foi a maneira de demonstrar as minhas amizades e a minha consideração pelo meu compadre e pela minha comadre Dalva.

Nem tudo foram rosas nessa nossa relação; eu e meu compadre Pedro tivemos grandes e belas turras; mas depois era abraços e esquecimento.

O meu compadre Pedro de Joca, era verdadeiramente um artista; na minha caminhada em Oficinas mecânicas em Alagoas e Pernambuco onde estive fazendo o curso de Mecânica de Motores Diesel Elétrico, não encontrei um profissional igual em competência. (COSTA, 2022. p.72-73, grifo nosso).

Abaixo uma representação de como seria o interior da oficina mecânica da EFPA.

Vídeo 1 - Funcionamento de maquinário com sistema de polias.

Semelhante ao (vídeo 1), na oficina mecânica em Piranhas, como não havia energia elétrica naquele período, todo o maquinário era movido por um motor a vapor, que de acordo com as memórias de Mestre Rubério, era apelidado de “montoura”, em sua descrição, o equipamento ficava do lado externo da oficina e movia um grande eixo que através de polias escalonadas, faziam funcionar o maquinário, como esmerilhadeira de bancada; furadeira de bancada e os demais tornos mecânicos. Funcionava no mesmo espaço, a parte de serralharia como também os serviços de ferreiro.

Imagem 3 - Fachada atual da antiga oficina.
Imagem 4 - Interior atual da antiga oficina.
Imagem 5 - Rubério aponta por onde o eixo passava.

Durante uma de nossas conversas, ele relembrou algumas “pisas” que levou do saudoso pai nas dependências da oficina quando aprontava:

...eu levei também, eu levei umas quatro pisas aqui dentro (oficina), quando eu aprontava, quando eu fazia umas prezepadas por aí, quando eu chegava aí papai dizia Dalva, eu morava ali no Canto, Dalva! mande Rubério levar o almoço lá, eu já sabia aí, eu já vinha prevenido para levar umas lapadas boas aqui pra poder eu me ajeitar mais (risos). (FONTES, 2023)

Rubério relata em depoimento(2) que seu pai trabalhou por volta de 36 anos na ferrovia até sua desativação em 1964, teria começado a trabalhar em 1928 (FONTES, 2022), ou seja, ainda quando essa ferrovia era arrendada a Great Western of Brazil Railway. Na vida privada, Pedro de Joca era boêmio, nas horas vagas, tocava com seu conjunto musical em festinhas da região. 

Imagem 6 - Ferroviários posam para foto. Piranhas, SD.

Rubério não possuía nenhuma fotografia do seu saudoso pai. No entanto, no aprofundamento da pesquisa para este texto, contei com a contribuição e boa memória do confrade e escritor Ruy Costa, pelo Whatsapp por semanas durante 2023, sanou várias dúvidas e ajudou inclusive a identificar vários trabalhadores na imagem 6, do qual ele é o único ainda vivo! Na foto, Jazon (nº 11), Ruy Costa (nº 12) e o pai de Rubério, Pedro de Joca (nº 18), os torneiros mecânicos da oficina em Piranhas. De acordo com Ruy Costa, a foto batida em Piranhas, se deu por ocasião de reparo realizado na locomotiva Sinimbu nº 303. Neste dia foram feitos testes que se seguiram até a Olho D'água do Casado/AL, passaram o dia por lá, voltando todos no final da tarde. O nº 15 na foto, era Nemezio Teixeira, tio de Ruy Costa, era o Chefe da Oficina. O nº 17 Manoel Pereira, era o inspetor da ferrovia. O nº 5 e 8, não foram identificados, o nº 16, ele só recordou que era um colega vindo de Jaboatão/PE para exercer a função de caldereiro.

No vai e vem de uma de nossas conversas, Rubério relatou que a oficina das locomotivas em Piranhas, recebia serviços de fora, vez ou outra a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF) enviava peças grandes em caminhões KB-11 (imagens 7, 8 e 9) para serem torneadas, haja vista os tornos da oficina da CHESF serem pequenos (FONTES, 2023). Esse fato relatado deve se situar entre os anos 50 e 60 do século XX, décadas de início da operação das usinas Paulo Afonso I e II respectivamente. 

Imagem 7 – Desfile de 7 de Setembro-CHESF. Anos 60.

Fonte: Facebook, 2020.

Na foto colorizada acima, vemos o modelo de caminhão INTERNACIONAL KB-11 citado por mestre Rúberio em desfile em Paulo Afonso/BA.

Imagem 8 - Transporte de materias para construção de PA-I.

Fonte: CHESF, 2018
Imagem 9 - Chegada de equipamento importado. Set. 1951.
Fonte: CHESF, 2018

Nas imagens 8 e 9 vemos o KB-11 em seus diversos usos.

Em 1964 o governo federal, sob o regime militar, desativa a ferrovia alegando falta de lucro e vários funcionários foram transferidos para outras estradas de ferro de Alagoas e de outros estados e os que tinham tempo de serviço foram aposentados.

Em depoimento, perguntado se ele tem lembrança de como foi o processo de desativação e arrancamento dos trilhos, Rubério relembra:

Tenho, tenho, o processo foi o seguinte, é que esse material, esse trilho, os vagões tudinho, foi transportado até Petrolândia, então ele, ele ia no trem ia com os vagão e pegando material, arrancando os trilhos e os dormente que tinha, a madeira que tinha no trilho e colocando dentro dos vagão e levando até Petrolândia, quando enchia, que tava carregado o trem ia na frente e ia levando, como também, antes dele tirar esse trilho eles já levaram todo o material da oficina que era torno, bancada um bocado de coisa né? Que já pegaram e levaram, acho porque não podiam levar depois do trilho arrancado né? E foi levado, saía no trem até Petrolândia, de Petrolândia era transportado, chegava as carreta de Recife e pegava o material todinho e levava para Recife, tudo colocado em Recife. (FONTES, 2022, grifo nosso)


O torno mecânico “Vaca Velha” das memórias do amigo Rubério, não teria tido o mesmo destino como os demais maquinários recolhidos para Recife. Para onde teria ido então? Descobriremos a diante.


Visita as Cachoeiras de Paulo Afonso


Era janeiro de 2022 e após intensas chuvas na bacia hidrográfica do Rio São Francisco, as Cachoeiras de Paulo Afonso voltavam a verter água. Havia se passado 12 anos desde a última vez em que o 'espetáculo das águas' pôde ser apreciado. Espetáculo que se repetiu esse ano.

Imagem 10 – Vista do "Limpo do Imperador", vendo ao fundo Angiquinho. 

Descrita em texto já no século XVI (1587) e em cartografia no século XVII (1627) e principalmente durante o século XIX por viajantes e exploradores nacionais e estrangeiros, as famosas Cachoeiras de Paulo Afonso se tornaram um dos meus temas de pesquisa, além do tema ferroviário. Vi na ocasião a oportunidade de conhecer a Ilha do Urubu, local, dentro do complexo hidrelétrico da CHESF em Paulo Afonso/BA, onde a partir de um mirante é possível ter uma visão privilegiada da cachoeira, quando estão vertendo água e também da Usina de Angiquinho e registrar algumas fotos para minha pesquisa. Logo entrei em contato com meu amigo Luiz Ruben, escritor e pesquisador radicado em Paulo Afonso/BA, para me orientar de como chegar lá. E como “é melhor ter amigo na praça do que dinheiro na Caixa”, Ruben, logo me coloca em contato com Flávio Motta, chesfiano aposentado, que muito honrosamente no fez as vezes de guia de turismo nessa visita a Ilha do Urubu. Nos acompanhou nessa excursão, a cunhada de Motta, Soraya, com seu filho Túlio e minha esposa Aline.

A primeira parada foi para contemplar a Cachoeira Veú de Noiva e as águas das comportas do braço do Capuxú. Desse ponto, há uma bonita visão dos Canions, só não melhor, pois o Mirante do Cogumelo, estava fechado ao público. Dalí, também se avista a Ponte Pênsil, locação de gravação de uma das cenas mais marcantes da telenovela brasileira. A Ponte Pênsil, aparece na cena final de 'Senhora do Destino'. Seguimos ouvindo atentamente as explicações técnicas de Flávio Motta sobre os drenos de areia, o "espigão do jacaré" dentre outras explicações e curiosidades que mereciam um livro de memorias e que dificilmente um guia de turismo profissional seria capaz de dar com tantos detalhes. Após vislumbrar e fotografar a cachoeira Véu de noiva, fomos visitar a sala de comandos da PA-1 e seu  memorial em seu hall de entrada, que se estende para área externa na Praça dos Pioneiros logo a frente, antes de seguirmos para o mirante de onde estava sendo possível ver as demais quedas d'água e a usina de Angiquinho.


Flávio Motta, o chesfiano com impulso preservacionista


Após visitar brevemente a moderna sala de comandos de PA-1, Flávio Motta, nos mostrava as fotos históricas e o maquinário antigo no memorial que descobrimos ali, ter sido idealizado por ele, quando estava na ativa como Gerente Regional. Sua extrema simpatia e seu acolhimento nos surpreendera, Motta nos apresentava cada equipamento exposto, explicando em mínimos detalhes suas funções. Sua iniciativa salvaguardou a história e memória desse patrimônio industrial. 

Imagem 11 - Motta explica função do seguimento do estator da usina de PA-I.

Motta é membro do Instituto Geográfico e Histórico de Paulo Afonso é engenheiro mecânico aposentado, tendo entrado em 1977 na Chesf e ter trabalhado em outras usinas do complexo, a partir 1992, Flávio Motta torna-se coordenador do Grupo Técnico de Xingó (GTX), que dois anos mais tarde, se transformaria na Divisão de Operação e Manutenção, responsável pela construção civil da barragem e início do processo de montagem e testes eletromecânicos das turbinas da Usina Hidroelétrica de Xingó, naquele momento a terceira maior do mundo. Sua sexta e última turbina ficaria operacional em 1997.

Em 2011, assumi a Gerência Regional de Operações, sediado em Paulo Afonso/BA, tendo sob sua gestão 7 hidroelétricas (PA-1, PA-2, PA-3, PA-4, Apolônio Sales, Luiz Gonzaga (Itaparica) e Xingó, mais de 20 subestações e sua respectiva rede de transmissão.

Em 2012, a Chesf continua o processo de modernização e digitalização do parque gerador, que tinha iniciado anos antes. O objetivo era substituir os equipamentos antigos e obsoletos, alguns deles da década 1960, por modernos, também centralizar as salas de comando locais e antigas das usinas PA-1, PA-2 e PA-3, que ainda contavam com o sistema de “botoeira”, para um centralizado e digital, hoje na sala de comandos da PA-1, no Edifício Eng. Octávio Marcondes Ferraz. 

Nesse contexto, Flávio Motta com sua sensibilidade à História e memória, tomou a iniciativa de resguardar esse patrimônio industrial, partes dos geradores antigos, rotores das turbinas hidráulicas e reguladores de velocidade e tensão tinham destino certo: a alienação (venda ou doação). Logo, Flávio Motta teve a ideia de criar um espaço para expor tais itens. As peças foram transferidas para o hall de entrada da sala de comandos da PA-1, que foi transformado num memorial, um espaço para expor fotos e as peças que foram salvas. O memorial se estende para área externa do prédio na Praça dos Pioneiros, A praça foi criada em 2013 por iniciativa sua. Entre os itens que ficam expostos na esplanada do prédio, há a placa de inauguração da usina de 1955, painéis de alumínio que contam a história em biografias resumidas dos pioneiros que constituíram a primeira diretoria da Chesf e outras placas comemorativas, além de partes de antigas turbinas. O objetivo foi além de salvaguardar esse patrimônio, dar a oportunidade de estudantes de engenharia e eletrotécnica verem de perto em suas visitas técnicas essas antigas tecnologias e sua evolução.

Outra iniciativa de preservação da memória foi o batismo de vias de acesso, dentro do complexo Chesf, com os nomes dos principais personagens que contribuíram para a construção da história da companhia.


A redescoberta


Da sala de comando da PA-1, partiríamos para conhecer o Teleférico (desativado em 2008) e a plataforma onde é possível ter uma visão privilegiada da Furna dos Morcegos e a Cachoeira do Salto do Croatá. Já estava embarcado no carro, quando Soraya, atrasou sua entrada e chamou seu filho para tirar uma foto no “torno mecânico”, imediatamente, recordei da história que o amigo Rubério tinha me contado e desci do carro para “espiar” de perto o equipamento que desconhecia a função e que não me chamou atenção durante a visita. O torno mecânico exposto a céu aberto na Praça dos Pioneiros, foi um dos vários equipamentos que em uma das visitas de campo ocorrida na oficina “Nova Brasília”, Motta encontra esse antigo equipamento desmontado e o resgata. Era apelidado pelos funcionários “chesfianos” de “Torno de Dom Pedro”, talvez uma alusão a sua antiguidade – o Imperador visitou as Cachoeiras de Paulo Afonso em 20 de outubro de 1859.

Ao fazer uma inspeção visual no equipamento logo me deparei com uma plaqueta de identificação patrimonial, também conhecida pelas iniciais "PIB" (imagem 13), comuns de se ver em móveis e equipamentos de órgãos públicos que fazem inventários patrimoniais, como no local que trabalho, onde uma das minhas funções é fazer conferência patrimonial anual programada. A PIB tem função de controle e identificar o órgão a que pertence e é registrada através de um número. A familiaridade com esse tipo de conferência através de plaquetas contribuiu para a identificação e a confirmação de que o “Torno de Dom Pedro” ou “London”, como era chamado pelos "chesfianos" da oficina Nova Brasília era o mesmo “Vaca Velha” da EFPA das memórias de Mestre Rubério!

Imagem 12 - Local da plaqueta de identificação patrimonial.

Imagem 13 - Detalhe da plaqueta de identificação patrimonial.

No detalhe da imagem 13, vemos as iniciais da Rede Ferroviária do Nordeste (RFN), na plaqueta de identificação patrimonial com seu respectivo número de registro. 

Imagem 14 - Vista lateral do torno mecânico.

Imagem 15 - Detalhe carro principal, castelo e cabeçotes.
Imagem 16 - Detalhe da placa de fixação de peça com contra ponta.
Imagem 17 - Detalhe do furo de centro, concavidade em cone, no centro da roda.

Na imagem 17 acima, detalhe do furo de centro da roda, usado para fixar a peça no torno. Locomotiva do Museu Regional Delmiro Gouveia. 

Imagem 18 - partes do torno mecânico.
Imagem 19 - Adaptação de motor elétrico com sistema de polias. 
Imagem 20 - Detalhes técnicos do motor elétrico.
Imagem 21 - De azul, Flávio Motta, sua ação, preservou esse patrimônio. 
Vídeo 2 - Vista geral do torno mecânico.

E como o torno foi parar ali? Retomando as memórias de mestre Rubério, ele me contava que, após a desativação da ferrovia em 1964, a Chesf adquiriu o “Vaca Velha” e o leva para a oficina Nova Brasília em Paulo Afonso/BA e contrata o pai de Rubério, seu “Pedro de Joca” para trabalhar operando o torno, serviço que ele trabalharia por mais 12 anos, até se aposentar. Seu Rubério, só não imaginaria que o mesmo ainda existisse. Tanto Rubério como Ruy Costa, após verem as fotos, confirmaram que era o mesmo equipamento que existia na oficina da EFPA em Piranhas/AL. Em contato por telefone em fev/2023, Ruy Costa, fez uma ressalva ao lembrar que o mesmo possuía dois carros principais(3) ao invés de um, como mostra a imagem 18, o par dos carros principais permitia o torneamento das duas rodas com o eixo de forma simultânea, segundo Ruy Costa.

Vídeo 3 - Interior da oficina "Nova Brasília". Jul/90 a Jun/91.
Acervo: Flávio Motta
No vídeo acima, vemos o Serviço de Oficina de Paulo Afonso - SPOF (Nova Brasília), que tinha como encarregado da oficina o senhor Gonzaga. Quem apresenta os detalhes técnicos do torno mecânico "Vaca Velha", que ele chamou no vídeo de "London", é o Engenheiro mecânico Josenaldo Silveira. Na data do vídeo, o equipamento estava operacional. O torno mecânico é do fabricante Selig, Sonnenthal & Co., que teve sede em Londres, por isso o apelido "London" dado pelo chesfiano devido plaqueta metálica do fabricante afixada no torno com inscrição em inglês, ver imagem 13.
Imagem 22 - Publicidade da Selig, Sonnenthal & CO.
Fonte: Ebay.co.uk
Na publicidade da imagem 22, se vê na primeira ilustração como ocorria o torneamento de rodas com eixo conforme relato das memórias de Mestre Rubério e Ruy Costa.
A empresa Selig, Sonnenthal & Co foi um fabricante e comerciante de máquinas e ferramentas dos mais diversos tipos. Os poucos registros de sua origem disponíveis na internet dão conta de sua fundação no final do século XIX: 

Fundada na Inglaterra Vitoriana em 1871, a empresa Selig Sonnenthal era originalmente conhecida como "M. Selig Junior & Co.". Além de serem fabricantes com uma fábrica em Coventry, eles também eram agentes muito bem-sucedidos, importadores e um dos principais varejistas de produtos de engenharia e produtos relacionados. Eles se descreviam (no período de 1880 a 1910) como: importadores de ferramentas e máquinas de engenheiros americanos e estrangeiros por atacado e exportação, comerciantes de ferragens e máquinas e empreiteiros de materiais de metal e ferrovia de todos os tipos. Eventualmente, usando as três primeiras letras de cada nome, eles adotaram uma nova identidade mais fácil de comercializar como Selson - uma empresa que se tornou uma força considerável no marketing de máquinas-ferramenta [...] (Lathes, SD. Online. Tradução nossa)

Documento 1 - Catálogo da Selig Sonnenthal & Co.
 
Fonte: Vintagemachinery, 2015
Imagem 23 - Talão de pedidos Selig Sonnenthal, 1909.
Fonte: www.ebay.co.uk

Por telefone, perguntei a Ruy Costa, o ano que ele começou a trabalhar na oficina e se o torno mecânico já existia, ele relatou que começou a trabalhar como aprendiz na oficina entre 1942/43, há época que a ferrovia já era administrada pela "gretoeste"(4) sob a batuta dos ingleses e que o torno grande, que ele também operou, já existia na oficina.

De acordo com Flávio Motta o torno mecânico teria ficado em operação pelo menos até o final dos anos 1990 nas dependências da oficina Nova Brasília na CHESF em Paulo Afonso/BA. Não foi possível saber, se o torno entrou em operação na oficina da EFPA na sua inauguração final em 1883 ou sob a administração dos ingleses a partir de 1903, de todo modo, se levarmos em consideração a data mais recente, teremos um tempo de mais de 90 anos em operação!


Já não se fazem máquinas como antigamente...


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Para conhecer os pontos turísticos mencionados no texto dentro do Completo Chesf e o torno mecânico, personagem da nossa história: 

SAT - Serviço de atendimento ao Turista
Av. Apolônio Sales, SN - Paulo Afonso/BA - Centro Cultural Lindinalva Cabral.
Funciona diariamente das 8h às 17h 
Contato: (75) 3281-1634
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NOTAS:
(1) Entre 1878 e 1903 Estrada de Ferro Paulo Afonso pertenceu ao governo Imperial. Entre 1903 e 1950 a ferrovia ficou arrendada a empresa de capital inglês Great Western of Brazil Railway. Em 1950, o governo reintegrou a ferrovia a União e em 1951 o governo cria a Rede Ferroviária do Nordeste - RFN e posteriormente a Rede Ferroviária Federal S/A - REFFSA (1957), que administrou essa ferrovia até sua desativação em 1964. 
(2) Após o interessante relato informal de Mestre Rubério em 2021 sobre a história do torno e sua redescoberta, houve a necessidade do registro em vídeo em depoimentos posteriores em 2022 e 2023.
(3) Parte do torno mecânico composto pelo Castelo; Carro Superior e Carro Transversal.
(4) Como era popularmente conhecida a Great Western of Brazil Railway.
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Agradecimentos
Agradecer ao amigo Rubério pela confiança e receptividade, à Ruy Costa pela paciência e atenção e a Flávio Motta pelas precisas e importantes informações. Sem sua ação de preservar o patrimônio industrial, não seria possível contar essa História.
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Referências
CHESF  70 anos de História. Rio de Janeiro: Centro da memória da eletricidade no Brasil, 2018. Disponível em: https://www.chesf.com.br/Comunicacao/70anos/index.aspx. Acesso em 21/09/2023.
COSTA, Ruy. Nossa Caminhada. Maceió: Editora Q Gráfica, 2022.
FONTES, Rubério de Oliveira. Entrevista concedida a: Felipe Vieira. Blog História Sertão, Piranhas, abril de 2022.
__________________. Entrevista concedida a: Felipe Vieira. Blog História Sertão, Piranhas,  abril de 2023.
PAULO AFONSO-BA, O INÍCIO, Vol. 2. Facebook, 2020. Disponível em: https://www.facebook.com/media/set/?set=a.3206779822777646&type=3. Acesso em 06/05/23.
LONDON (U.K.) MACHINE TOOL & TOOL FACTORY "SELIG & SONNENTHAL"1909. Disponível em: https://www.ebay.co.uk/itm/401880721402. Acesso em 25/06/2023.
SELIG SONNENTHAL & CO Lathe Manufacturers - Antique Engineering Advert 1905Disponível em: https://www.ebay.co.uk/itm/354955364535. Acesso em 10/09/2023.
SELIG Sonnenthal Lathes. Lathes, SD. Disponível em: http://www.lathes.co.uk/seligsonnenthal/page2.html. Acesso em 17/09/2023.
SUPPLEMENT to general catalogue of July 1880. Vintagemachinery, 2015. Disponível em: http://vintagemachinery.org/pubs/detail.aspx?id=7036. Acesso em 19/04/2023.
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Bibliografia consultada
Complexo Paulo AfonsoDisponível em: https://www.chesf.com.br/SistemaChesf/Pages/SistemaGeracao/ComplexoPauloAfonso.aspx. Acesso em 06/05/2023.
GALDINO, Antônio. A magia e os encantos da Cachoeira de Paulo Afonso. Disponível em: https://www.folhasertaneja.com.br/noticias/colunistas/602855. Acesso em 06/05/23.
EDMUNDSON, Willian. A Gretoeste: a história da rede ferroviária Great Western of Brazil. Joao Pessoa: Ideia, 2016. 
PARTES de um torno mecânico. Youtube, 2023. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=raNinWu_VGg. Acesso em 24/09/2023.
ZANATA, Professor Eduardo. Partes máquina - Torno mecânico convencional. Youtube, 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=cUMMf4FrqY0. Acesso em 24/09/2023.


Viu primeiro aqui? Para referências, use:
VIEIRA, Felipe. Entre memórias e redescobertas: o destino do torno mecânico Vaca Velha. Disponível em https://bloghistoriasertao.blogspot.com. Acesso em: dia, mês e ano.

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